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sexta-feira, 18 de janeiro de 2013


Aviso:
Acabou esta experiência, mas não a literatura!
O autor não parou de escrever, só de publicar;
É possível contatá-lo por e-mail, caso queira:
hilario.francelino@usp.br
Tudo de ótimo e boas energias!

quarta-feira, 30 de maio de 2012

Chicago, Eixos e Obras do Acaso - Maio 30


Esquecesse a primavera que houve inverno e esse dia seria possível: mais de vinte graus em Boston. Foi dia de conferência no Brigham and Women’s Hospital. O ser humano é conhecidamente simétrico. Bilateralmente, como todos os animais biologicamente superiores. Esta manhã, uma palestra me chamou a atenção para as poucas excentricidades que temos, seus determinantes e, portanto, a definição de sua vitalidade. Voltando aos primórdios embriológicos, nos primeiros dias do desenvolvimento, na parte póstero-superior da notocorda, um movimento para a esquerda de um fluido determinará a existência do coração, previamente assinada pelo mesoderma lateral.

Já a conferência sobre a função de determinadas células inflamatórias de nosso corpo (células T de memória) me deu uma luz sobre algumas dúvidas que ficaram penduradas desde a última vez que li um artigo. Se isso soa distante, é engano; é puro feriado prolongado.

Agora, voltando ao eixo, será que nascemos assim, duas metades? Começa-se bem. Em estudos envolvendo técnicas de silenciamento de genes e análise patológica de defeitos congênitos, descobriu-se que o movimento de meros cílios é responsável pela mais primitiva quebra no balanço do eixo humano. Por trás disso tudo, há estudos sobre a importância desses cílios de estarem posteriormente orientados, o que é determinado pela polaridade das células planares. Moléculas como a inversina e cascatas de sinalização relacionadas à polaridade dessas células são muito influenciadas por genes como Angl1 e Angl2, cujo estudo em ratos revelou anomalias cardíacas que vão desde uma má-orientação no eixo cardíaco até transposição de grandes vasos. Adicionalmente, um paciente sem expressão da inversina nasceu com transposição e comunicação arteriosa. Assim, a ciência fatia e passa manteiga.

Em nome do feriado, trago notícias da terceira maior cidade dos Estados Unidos, onde o vento não pára e a praia é de água doce. Refiro-me a Chicago, com seu belíssimo Lago Michigan. Na oportunidade, visitei diversos pontos culturais importantes, incluindo o Museu de Cirurgia, onde equipamentos do início do século passado e trabalhos científicos de ponta recentes extremavam-se, ocultavam o meio-tempo, lançavam os dados da medicina. Os genes da simetria ficaram por digerir na minha mente. Na praça do milênio, em frente ao super espelho em forma de feijão tirei fotos que distorciam os tão vital eixo humano. Será que do outro lado do espelho os genes são outros? Ou a embriologia já não é lei naquelas terras?

De posse de muitos dados dos ensaios laboratoriais, eu não tardaria a precisar de uma revisão de bioestatística, o que está tendo alta significância para o meu entendimento científico. Ainda no laboratório, cada vez aprende-se mais o quanto algumas coisas se contaminam facilmente, se não manipuladas de forma adequada. Atenção especialmente para as quantificações do tipo RT-PCR, dado que as enzimas RNAses são onipresentes. Felizmente, sou muito bem acompanhado no laboratório. Você dirá que essa acurácia é muito surreal para se preocupar. Mas a ciência é mesmo detalhes.

Os estudos mostram como falhas no desenvolvimento da pouca assimetria que temos afeta órgãos importantes, destacadamente o coração; havendo, assim, muitos estudos ainda nesse mundo. As viagens mostram que há outros mundos, o que aumenta o número de estudos que a ciência precisa fazer. Os feriados mostram que lazer também é cultura e descanso, passível de provações estatísticas. Abstraindo da excentricidade da primeira pelestra, temos na essência do ser humano um eixo elusivo, desviado, guardado sob uma crosta espelhada, simétrica, que emana e muitas vezes requer simetria na interface com os semelhantes.

sábado, 21 de abril de 2012

Bruxas e Conexões - Abril 18


A primavera chegou com um ar de inverno e uns prenúncios de verão, porém toda flores. Ligações. Junto a isso, lembrei de como Humberto Eco ficciona em “O Pêndulo de Foucault” que o fascínio do ser humano por algo tem início a partir de quando os assuntos são interligados, dizendo isso quando está montando um plano mirabolante com seus amigos. Não é só o inverno que resta na primavera  e esta que prevê o verão, mas o que mais funciona em círculos, em laços, em conexões, principalmente o que não se conhece completamente, mas por pistas e que promete formar um todo. É por isso que as biografias são interessantes, eu sugiro.

No laboratório estamos perseguindo o que poderia ter sido consequência da poluição a que os ratinhos foram expostos, tal como uma superexpressão de moléculas inflamatórias.  Ciência. Trocando em miúdos, a tecnologia disponível no laboratório, em forma de dados, dá pistas de como podemos abordar o mal da poluição mais na frente, entendendo patofisiologias e propondo terapias.

As conferências ensinam bastante, a propósito, como quando aprendi que, quando se dá mais de mil cabeceadas numa bola por ano, pode acontecer uma redução do volume cerebral e levar a uma futura demência, dementia pugilistica – o que foi achado na autópsia de quase todos os jogadores de futebol americano autopsiados em determinado estudo. Outra, com palestrante de Vermont, serviu para tirar todas as dúvidas acerca dos RNAs de interferência e sua salada de aderentes e relacionados, que tanto são recentes na ciência quanto são importantes para a atividade do núcleo celular, das expressões genéticas, enfim, das definições do que realmente somos. Você diz que somos uma grande célula? Eu só anoto. Tudo isso abre a mente para um espetáculo científico, espelhado no dia-a-dia, o de desvendar mistérios que estão todos interligados e que por isso prendem pelo fôlego e fascina a muitos.

Nos mais, fui a Salém, sempre bem acompanhado, conhecer e sentir as energias da cidade que participou, no século XVII, do ciclo de caça-às-bruxas que tomou conta da Europa medieval e chegou à América mais tarde. A História, por sua vez, sem dúvida está interligando a cultura do ser humano por meio de cada fato, encantando e explicando a nossa própria essência, magicamente. Visitar a cidade e seus museus, além de uma moderada volta no tempo, nos ajudou a perceber o que a ignorância das pessoas aliada à falta de conhecimentos médicos era capaz de fazer: queimar seres humanos vivos inocentes. Experiência atemporal. O que hoje seria no mínimo uma perseguição ao sincretismo religioso que adorna a face da Terra. Culturas.

domingo, 18 de março de 2012

Laboratório Móvel – Março 15

Um dia normal era esse, assim como o semáforo não pára os carros na rua. Atenção ao atravessar, minha lição. Um fone de ouvido que fosse, eu não contaria mais histórias. Era terça-feira, dessas chuvosas de março, em que o enredo se dá no laboratório móvel, dentro de um prédio de segurança, próximo ao aeroporto. A teoria não pode mais que a prática, e se perder é um dom; frase que eu elaboraria na quinta-feira ao tentar acertar ao destino de transporte público, porém com sorte ando em boas companhias.

Gastou-se o período tomando familiaridade com os aparelhos de oxigênio de liberação de sedativos, assim como algumas técnicas para operar o rato. Lâminas brilhafiadas! Os maiores desafios foram entubá-lo e acertar as regiões-alvo para intervenção. Comemora-se os acertos como já não se faz mais quando há belos pôres do Sol na linha dos prédios.

A beleza de se trabalhar próximo às partidas e chegadas de aviões do mundo inteiro me completa dos sonhos acordados: viajo em solo firme. Fala-se do porvir, das ruas, da agenda. Penso, interno, o quão bonita serão as manhãs da primavera, mas só depois de atravessar na faixa!

quarta-feira, 7 de março de 2012

A Impressora não Pega o Papel – Março 6

Manhã, graus negativos, dia normal. Leitura de alguns mais papers. Resolvi comprar algo para comer em outro lugar. Pela internet, localizei no Brookline o Russian Village, um mercadinho que vende estivas, cerais e bebidas diversas importadas da Rússia, assim como almoços to go. Pedi um “almoço tipicamente russo” e sorri. A moça, moderadamente antipática, ajuntou uma carne de porco cozida em bolas temperadas e algumas batatas cozidas a base de alho e verduras, mais uma salada de repolho e tomate; tudo muito saboroso. Também havia revistas e caça-palavras russos; um templo! Os arredores do lugar permitem concluir que ali moram diversos imigrantes russos, até por avisos em cirílico no ponto de ônibus e pela fisionomia das pessoas em geral. Eu tinha fome, e não ganhei garfo. Só pude almoçar quando de volta ao laboratório. Viver é só uma vez, me acredita? Quero atribuir à coincidência o fato de que a moça que me atendeu somente abriu um sorriso, discreto, nos momentos finais, quando disse bye, depois de muito eu lançar-lhe simpatia.
Gastei semanas subindo vários andares para imprimir toda a sorte de trabalhos científicos, apesar de ter uma impressora ao meu lado. Há alguns dias, quando fui testá-la, percebi que a impressora não pegava o papel, rejeitava-o e, na verdade, girava no sentido contrário ao de recolher a folha em branco. Dias e dias passaram-se até que o Edgar levantou a possiblidade de ligar no Suporte para buscar instruções de procedimento para com a então possível danificada, inoperante impressora. A primeira ligação foi um fracasso, pois a partir de certo ponto, não entendi mais nada do que o atendente falava; pedi desculpas e disse que ligaria mais tarde. Me vendo aflito, minha colega de laboratório, Liana, se propôs a ligar, o que acompanhei. Fornecimento de dados e endereço de e-mail, tudo tão ordinário. Na hora de informar o problema ela buscou na minha expressão e eu lhe disse que a impressora não pegava o papel. Seguiu-se que a atendente pediu gentilmente que ela ligasse a impressora, esquecimento que eu não podia ter cometido, ora, seria a primeira coisa a ser fazer. Além do mais, a impressora tem tela, eu iria desconfiar se o problema fosse ligar na tomada. Em seguida, pediu-se que ela inserisse uma folha e tentasse tirar uma cópia. Indagando onde era que inseriria a folha, só para confirmar, e já abrindo a parte da frente, a funcionária disse-lhe que pusesse no compartimento de trás! Como eu ia saber? Quem diria, na frente era a saída... Segue-se uma maravilhosa cópia e um funcionamento impecável da impressora, Liana desculpando-se pelo problema e, voltando-se para mim: me desacreditando para sempre. Você é gênio, eu disse. Rimos demais.

quarta-feira, 29 de fevereiro de 2012

Pendurado num Tróleibus de Cem Anos - Fevereiro 20

No dia seguinte, o sol lançava um convite de alugar bicicletas e se lançar à brisa da cidade, com o que também concordaram um alemão e um austríaco que se juntaram ao grupo. Possivelmente poderíamos dar uma olhada na histórica, assustadora, assustada, prisão de segurança máxima Alcatraz (Pelicano, do espanhol). Alugamos, fomos de bicicleta – mit dem fahrrad, do alemão deles. Pela Ponte do Portão Dourado - Golden Gate Bridge-, famosa, tem-se uma extensa visão, aterradora, de toda a orla, olhos-terapia. Para voltar ao centro da cidade, pegamos o ferry – navio que passa próximo à Alcatraz, com as bicicletas, de volta ao leste. Esperando pelo barco, sustentando os mais diversos assuntos de interesse internacional; também pudemos contemplar um senhor que tocava violentamente seu violão, no que ajoelhava-se ao chão, e transmitia, em seus gestos faciais, um sentimento de arrebatamento. Sua gradação músico-teatral evoluiu até que ele caiu no chão, fingindo-se de morto. Mais tarde e por outro lado, por assim dizer, os europeus alugaram um conversível e desceram para Las Vegas e Grand Canyon.

A segunda-feira propôs contemplar a visão da cidade de cima da Torre Coit, que fica no topo de uma colina. Infinitos degraus e casas encaixadas no abrupto oblíquo, no contexto da subida, me lembraram bastante a clássica favela. A infraestrutura e padrão das casas, entretanto, tomava a liberdade de desmentir minha memória. A baía como um todo e a famosa ponte que liga Sausalito e San Francisco podiam ser vistas lá de cima. Não entramos na torre: era caro. Em vez disso, eu e Cory preparamos um picnic no pé da torre, antes de seguir para a lenta rua Lombard. Famosa por suas curvas extremas e breves, a rua Lombardi é sinuosa devido à inclinação do terreno. Dessa forma, as voltas redundantes da rua são mais uma atração turística do que uma simples rua de trânsito devagar.

Histórico é andar num tróleibus que tem mais de cem anos; e vai-se pra frente! Trata-se de um pequeno trem que percorre um trilho, na rua; todo aberto, o veículo permite viajar pendurado; eu quis. O movimento do trem é baseado num cabo metálico, subterrâneo, que nunca para, para o que frear significa soltar do cabo, e acelerar, segurar no cabo. Pela minha experiência com coletivos, tive de notar: Como que sai? Desce? Os dois ônibus regulares em que entramos tinham um detalhe, para mim inédito, no desembarque. Para que a porta abrisse, o passageiro deveria ou empurrá-la ou descer um degrau; dar sinal e esperar não funcionou em São Francisco, dou fé. São Franciso anoitece somente para os olhos, mas não dorme.

segunda-feira, 27 de fevereiro de 2012

O mais populoso dos Estados Unidos - Fevereiro 19


Mal era dia: a temperatura que não se mede, mas  que se verifica na face, congela-se. Frio, a pressa intrínseca, interna, mais o calor do porvir. Com direito a um bom dia pela antiga linha de tróleibus Mattapan-Ashmont, que contém um portal para o tempo, para onde o bilhete não era mais vendido; era o ontem mandando ir para a frente. Na Estação Sul – South Station -  o encapuzado rapaz da Ônibus Bolt gritava, compasado, mas estridente, numa linguagem voltada dos expectadores, semi-universal: "Nova Iorque, 8 da manhã, Nova Iorque!" .

Desafio é dar nome aos segundos! Mas as horas eram só quatro, no que dava para pensar sem cansar. Salvo o conhecido: ao meu lado um homem pergunta de onde eu sou; e ri – Sou casado com uma brasileira! Esse é meu filho, está indo para Belo Horizonte. Ao que contei-lhe que eu pegaria um voo de muitas milhas, em algumas horas, para São Francisco. Artisticamente o estadunidense manobrava o português, quase fluente. Cansaço que houvesse, estrada-estrada, uma prosa simpática decorreu-se até Manhattan.

 O voo: noturno. Tomamos café da manhã na cidade de Nova Iorque, no Mud. O calor abafado no interior do ambiente convidava incontinenti para comermos. No meio tempo entre o voo e o ócio, quando se define, encontramos o amigo do Cory, o qual trabalha para a Google , com quem andamos sem rumo pela Broadway e outras ruas. No fim da tarde, já não tínhamos o tempo todo, seriam mais de vinte estações de metrô até o JFK – aeroporto -, sabendo-se, infelizmente, que um voo é um tanto imperdível; esse mal cálculo nos levou a tomar um táxi – yellow cab. Conforto tem preço, você dirá; mas falamos sobre política com o motorista haitiano, pelas ruas da interminável cidade.

Na poltrona ao meu lado, a senhorita levava um cachorrinho yorkshire cego de um olho. Cachorros que não lambem, adoro; aquele me incomodava. Isso não sucedeu maiores intercorrências. Devo fazer ponto à inevitável imobilidade a que fui submetido, pois do lado oposto do yorkshire havia uma figura antipática, desagradável e que dormia para sempre. Ou quase, por infortúnio: se para sempre, não roncaria. Em São Francisco, o moderno aeroporto e o trem bart fazem as boas-vindas: espelho do desenvolvimento sudoeste. Estávamos na Califórnia, bela e singular, dez graus a mais e três horas a menos com relação a Massachusets. Desembarcando algum tempo depois do bart, na estação Montgomery, dirigimo-nos a um hostel chamado Pacific Tradewinds. Localizado quase dentro do bairro chinês da cidade, esse hostel mostrou-se bastante receptivo e confortável, até devido às figuras ímpares que se alternavam na recepção.